Economia Comportamental: como arquitetar decisões

Nosso dia a dia é uma sucessão de escolhas e decisões, das mais simples: que roupa vestir, o que comer, que filme assistir, qual o meio de transporte para chegar ao trabalho, às mais complicadas, qual o melhor candidato para a vaga, qual a melhor decisão de investimento, qual o melhor plano de ação para um determinado objetivo…

E todos nós, tanto em nossa vida pessoal quanto profissional, cometemos enganos e tomamos decisões equivocadas que poderiam ser evitadas. Frequentemente superestimamos nossa capacidade de execução, subestimamos o tempo necessário para desempenhar determinada tarefa, nos apegamos a investimentos com retorno abaixo do esperado, ignoramos informações relevantes que apontam falhas em nossos argumentos, temos dificuldades de abandonar hábitos não saudáveis e adotar os saudáveis…

“Não somos agentes racionais maximizando interesses próprio, somos apenas humanos falíveis impulsionados por impulso, hábitos, pelas massas… facilmente confundidos e muitas vezes inconsistentes.”

Dan Ariely

Nosso cérebro é uma máquina e como tal sujeita a falhas… vários fatores influenciam a tomada de decisões: o contexto, as emoções, pressões sociais, padrões éticos e morais, experiência e repertório pessoal, nosso estado mental (descansado ou fatigado)… e por vezes incorremos em erros sistemáticos de pensamento que nos levam à escolhas ruins.

Existem duas causas principais por traz das escolhas equivocadas: problemas motivacionais e os vieses cognitivos.

Problemas motivacionais

Os problemas motivacionais estão ligados às questões de autocontrole e de intenção vs ação. Com grande frequência temos as melhores intenções mas falhamos miseravelmente em colocá-las em prática.

Se escolhermos hoje nosso cardápio para a semana que vem provavelmente faremos escolhas mais saudáveis e balanceadas do que hoje no momento de almoço, com fome, com milhares de coisas na cabeça e cansados com nossa rotina. É neste momento que simplesmente optamos por pular o buffet de salada e cair de boca naquela lasanha deliciosa seguida daquele pudim lindo que afinal, eu mereço.

Existem experimentos muito divertidos feitos pelos cientistas comportamentais nesta área. Em um deles Read e Van Leeuven ao perguntar a um grupo de pessoas objeto da pesquisa qual o lanche da tarde eles gostariam que fosse proporcionado na semana seguinte: chocolate ou fruta? 74% das pessoas optaram pela fruta, a escolha saudável! No entanto, quando é oferecido aos menos objetos de estudo fruta ou chocolate para comer naquele momento, 70% deles escolhem o chocolate.

Isto acontece porque instintivamente estamos programados para maximizar o prazer e minimizar o esforço e gasto de energia.

Tendemos a dar maior peso às compensações mais próximas do presente quando consideramos os “trade-offs” entre dois momentos futuros. É por isso que procrastinamos em questões onde o “custo” acontece no presente e os “benefícios” são colhidos no longo prazo como exercícios físicos, plano de pensão, reeducação alimentar…

Vieses cognitivos

Os vieses cognitivos são padrões sistemáticos de desvio da racionalidade. Existem mais de 180 vieses cognitivos que atrapalham a forma como processamos as informações, pensamos criticamente e percebemos a realidade.

Um exemplo é o “Sunk Cost Effect” ou dificuldade de desapegar, que retrata nossa tendência irracional de nos apegarmos a coisas que já tiveram algum custo para nós (seja $$, tempo, esforço ou até emocional). Ele está intimamente ligado à nossa aversão a dor e pode distorcer nossa sensatez e nos levar a realizar investimentos pouco inteligentes.

Mas como lidar com isso? Como evitar estas armadilhas?

Os vieses são programações persistentes e reforçadas socialmente. Eliminá-las completamente é difícil mas o primeiro passo é a autoconsciência que já nos permite distinguir hábitos de escolhas.

O que os economistas comportamentais propõem é que pequenas alterações no contexto e processo no qual as decisões são tomadas podem nos ajudar a evitar algumas destas ciladas.

Richard Thaler nos apresentou ao termo “Nudge”, em português, empurrãozinho. Um nudge é o uso de insights da psicologia para influenciar comportamento através de intervenções simples, pequenas, muitas vezes sutis e de baixo custo. Trata-se de tornas as informações mais intuitivas, salientes e oportunas.

“Um nudge é qualquer aspecto da arquitetura de escolha que altera o comportamento das pessoas de maneira previsível sem proibir nenhuma opção nem alterar significativamente os incentivos econômicos delas”

Richard Thaler & C.Sunstein

Um nudge pode ser tão simples como a presença de luz de Led azul (uma intervenção ambiental) em estações de metrô no Japão que reduz de forma drástica a um baixo custo o número de suicídios nas estações de metrô e trem deste país.

https://twitter.com/i/status/1049948903661924352

Um outro exemplo efetivo para a redução de consumo de água. Na Costa Rica, muitos moradores não sabiam se seu consumo de água era adequado ou se era excessivo. Para resolver o problema, as contas de água passaram a informar, além do consumo da residência, a média da região. As casas que receberam a conta modificada reduziram o gasto de água em até 5,6%. Usou-se aqui o viés da norma social (evidenciar como os outros se comportam), tornando uma informação desconhecida saliente.

Para a elaboração de intervenções comportamentais como as descritas acima devemos adotar um mindset de arquiteto de escolhas. A proposta é pensarmos de forma estruturada sobre a forma como uma escolha é proposta. O processo proposto em um artigo da Harvard Business Review pelos professores John Beshears e Francesca Gino no artigo “Leaders as Decision Architects” é composto de 5 etapas:

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As aplicações são infinitas, nos mais variados campos (políticas públicas, gestão de pessoas, marketing, finanças, mudança de hábito…), busca-se muitas vezes pequenos efeitos, mas num grande número de pessoas, o “ROI” é alto devido ao baixo custo e ajuda as pessoas a tomarem as decisões sejam melhores para elas.

A esta altura você provavelmente deve estar pensando “Ah, mas pode-se usar este conhecimento e técnica para manipular as pessoas… ”

Sim, todo conhecimento pode ser utilizado para o bem ou para fins não tão nobres. As questões éticas devem sempre ser consideradas e três pontos servem para nos guiar nos limites de uma intervenção comportamental ética:

  1. Os “nudges” devem ser sempre transparentes e nunca enganosos;

  2. As opções não devem ser restritas e deve ser oferecido um “opt out” fácil;

  3. Os “nudges” devem ser impulsionados pela forte convicção de que o comportamento que está sendo incentivado vai melhorar o bem estar daqueles que estão recebendo o “nudge”

A ética das intervenções comportamentais é uma preocupação da academia. Richard Thaler cunhou até um termo para as intervenções “não éticas” o Sludge (ou lodo, em português).

“Um sludge pode assumir duas formas. Ele pode desencorajar o comportamento que é do melhor interesse de uma pessoa, como reivindicar um crédito de imposto sobre descontos, e pode incentivar comportamentos autodestrutivos, como investir em um negócio que é bom demais para ser verdade "

Richard Thaler

Pessoalmente acredito que mais cedo ou mais tarde um “sludge” é percebido e desmascarado e quando isso acontece os impactos em reputação, negócios e sustentabilidade da relação serão grandes. Nós podemos até ser menos racionais do que gostamos de acreditar mas com toda certeza somos inteligentes!

LIGIA GONÇALVES