Venda experiências e não bens materiais

Não tenho dúvidas de que a compra de experiências deixou de ser uma tendência e já é uma realidade que cada vez ganha mais espaço e não apenas entre os “millennials”. As pessoas investem cada vez mais em experiências ao invés de “coisas” e há muitos fatores impulsionando esta mudança.

Fatores culturais, tecnológicos e demográficos. Em termos demográficos vemos o crescimento global da renda (apesar de também crescer a desigualdade) garantindo cada vez mais que as necessidades básicas sejam satisfatoriamente cobertas.

Do ponto de vista tecnológico as distâncias foram encurtadas, o acesso à informação ampliado e tanto a possibilidade de dar maior visibilidade à sua vida como a ter acesso à dos outros cresceram exponencialmente. Além disso, a economia do compartilhamento vem trazendo soluções acessíveis e práticas que substituem a necessidade da posse: ter um carro tornou-se pouco ou nada vantajoso do ponto de vista econômico e prático versus ao uso de aplicativos de transporte como Uber e 99. Para que ter uma casa de praia se posso experimentar diferentes casas em diferentes locais através do Airbnb ?

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Culturalmente vemos que o status é cada vez menos sobre posses e mais sobre repertório e influência. Repertório de conhecimento e experiências que são expostos nas redes sociais onde também se mede a capacidade de influência dos indivíduos. Outra mudança cultural importante diz respeito ao cada vez mais questionado consumo pelo consumo e parcela dos consumidores passa a adotar uma postura mais consciente e sustentável. A marca Patagônia, por exemplo, abraçou esta causa com a campanha “Don’t Buy this Jacket”

A academia nos mostra que bens materiais trazem felicidade até um determinado limite. Um estudo do Professor Dr. Thomas Gilovich da Universidade de Cornell demonstra que a hipótese de que gastar dinheiro com bens materiais aumenta mais a felicidade pois os bens materiais têm duração maior do que as experiências está errada.

“Um dos inimigos da felicidade é a adaptação. Compramos coisas para nos fazer felizes mas só por um tempo. Coisas novas trazem excitação para nós no início, mas depois nos adaptamos a elas”

Dr Gilovich

Dr. Gilovich é mais um entre muitos pesquisadores que acreditam que desde que as necessidades básicas estejam atendidas, mais dinheiro aumenta a felicidade apenas até um certo ponto – Easterlin Paradox.

Se a posse material tem suas limitações no impacto da felicidade de onde advém o poder das experiências?

1. Experiências são apreciadas por um período maior do que bens materiais: existe a antecipação do pré-experiência, a experiência em si e as memórias do pós experiência (fotos, histórias…).

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Pense em uma viagem, a diversão começa antes no planejamento, escolha dos hotéis, levantamento de informações de lugares para visitar, ver fotos, ler a respeito do local a ser visitado… Durante a viagem, às vezes repleta de perrengues, vivenciamos situações fora de nossa rotina, estamos expostos ao novo o tempo topo, as emoções são vivenciadas de forma intensa. E a graça não termina ao fim da viagem, na volta contamos sobre ela para parentes e amigos, montamos álbuns, compartilhamos fotos, tudo isso nos faz reviver aqueles momentos tão preciosos.

2. As experiências têm duração limitada e por deixarem de existir elas se tornam incríveis. Este fator está relacionado ao viés cognitivo do declinismo segundo o qual nossa memória do passado o retrata como melhor do que ele de fato foi e nossa expectativa em relação ao futuro é que ele seja pior do que as evidências sugerem que ele de fato será.

Conforme nos distanciamos de uma experiência nossa memória tende a aumentar os aspectos positivos delas e minimizar os negativos (desde que a mesma seja predominantemente positiva).

Viagens são novamente um ótimo exemplo. Decorrido algum tempo dela, os “perrengues” e “chateações”(desde que não drásticos) como a perda do vôo a canseira com a locadora de veículos, o quarto do hotel que era muito menos do que o esperado tornam-se mais anedotas e perdem sua força negativa ao passo que os pontos altos ganham ainda mais força; aquele restaurante incrível, a melhor paella da vida, a praia paradisíaca…

Em contraposição, bens materiais em sua grande maioria se desgastam ao longo do tempo e passam a gerar trabalhos, gastos e frustrações. Pense em um carro. Uma delícia dirigir um carro novo, curtir aquele cheirinho de novo mas ao longo dos anos vem os custos de manutenção, substituição de peças, ele fica desatualizado tecnologicamente…

3. Experiências tornam-se parte de quem somos, formam nossa identidade.

“Nossas experiências são uma parte maior de nós mesmos do que nossos bens materiais… Você pode realmente gostar de seus bens materiais. Pode até pensar que parte de sua identidade está conectada a estes bens, mas mesmo assim eles permanecem separados de você. Por outro lado, suas experiências realmente fazem parte de você. Nós somos a soma total de nossas experiências.”

Dr. Gilovich

Mas e quando nosso produto é um bem material ou quando somos um varejo? Como fazer com que os benefícios da experiência também se apliquem?

Talvez a resposta mais óbvia seja tornar o momento da compra um momento de experiência. Um momento de interação com o produto, de educação, de despertar curiosidade… pense no que faz a Quem disse Berenice ou a MAC onde é possível experimentar os produtos e aprender como usá-los em um ambiente que estimula o sensorial. Nas lojas da L’Occitane há uma pia no meio para que os produtos sejam demonstrados. As lojas conceito atuam muito neste ponto: pensa na Casa Bauducco, lojas Nespresso…

Uma resposta menos óbvia talvez seja o desenvolvimento de rituais. Existem vários estudos acadêmicos que demonstram que os rituais são capazes de aumentar o prazer de um consumo.

Em um experimento envolvendo o consumo de chocolate estudantes foram divididos em dois grupos. Em um dos grupos os participantes eram orientados a partir a barra de chocolate em dois ainda embrulhada, desembrulhar a primeira metade e então comê-la, ao terminar a primeira metade desembrulhar a segunda metade e comê-la. O outro grupo deveria apenas relaxar e comer a barra. O experimento revelou que o primeiro grupo que seguiu o ritual simples de quebrar, desembrulhar, comer a primeira metade e então desembrulhar e comer a segunda metade reportou um nível de prazer maior, avaliaram o chocolate como mais saboroso e estavam dispostos a pagar mais pelo chocolate do que o grupo 2.

O mais incrível é que o mesmo efeito foi observado em um experimento similar utilizando baby carrots! Ao se ritualizar o consumo de cenourinhas as mesmas foram mais apreciadas do que se comidas sem nenhum tipo de ritualização.

Tenho certeza que o mesmo acontece com vinho. Quando abrimos um vinho com rolha de cortiça e aquele abridor especial, deixamos em um decanter ou em um balde de gelo, servimos na taça apropriada e então degustamos a experiência como um todo impacta nossa avaliação do produto.

Muitas marcas trabalham com rituais. Stella Artois, por exemplo, além de ter um copo próprio estilo taça tem um ritual para servir uma Stella: 9-Step Pouring Ritual. Outras adotam rituais originado na forma como os consumidores consomem seu produto, Oreo é um exemplo. A Loungerie trabalha como seu ritual a medição das consumidoras para o sutiã ideal.

Imagine as possibilidades de ritualização de categorias sazonais como os Perus de Natal, os Panetones… a moda dos cocktails, de fazer sua própria cerveja…

Acredito que se pensarmos em todo o ciclo de compra de um produto encontraremos oportunidades de criar intervenções que gerem experiências e aumentem a satisfação e valor percebido do produto/marca.

Desde a etapa pré compra no despertar da necessidade ou desejo e avaliação das alternativas onde pode-se usar influenciadores, tutoriais, loja conceito; passando pela experiência de compra que falamos acima; as primeiras interações com o produto comprado (as embalagens da Apple são um ótimo exemplo, eu tenho as caixinhas de meus Iphones antigos guardadas ); propiciar a oportunidade e incentivar o registro e divulgação do uso do produto (poste seu look com o hashtag xxx… ) ou compartilhar o consumo do mesmo com outras pessoas gerando ou incrementando as interações sociais.

Nespresso é um grande exemplo de tornar a venda de um bem material (capsulas de café) em experiência. Desde a compra, passando pelo consumo, o orgulho de servir para convidados… Outro grande exemplo é a Apple que cria experiências a partir da combinação de hardware, software e serviços em um mesmo produto que tem como marca registrada a usabilidade e o “coolness”.

LIGIA GONÇALVES