Inputs da Economia Comportamental para o engajamento sustentável

Para os desenvolvedores de app a retenção de usuários no longo prazo é o grande desafio e propor trabalhar esta questão a partir do profundo conhecimento dos usuário – ser “consumer centric” - e do user experience é chover no molhado, mais do mesmo, bater na mesma tecla, dejá vu…

No entanto, a economia comportamental pode trazer uma perspectiva interessante sobre como nós, humanos, pensamos e fazemos escolhas e ser bastante insightful para a geração de ideias e intervenções que ajudem no engajamento e na experiência dos usuários com os apps.

“A economia comportamental é uma área do conhecimento que combina insights dos campos da psicologia, economia, julgamento e tomada de decisão e da neurociência, a fim de entender, prever e, em última análise, mudar o comportamento humano de maneiras mais poderosas do que qualquer um desses campos poderia fazer sozinho”

Francesca Gino, Harvard Professor

Através de uma série de experimentos cientistas e economistas comportamentais demonstraram que nós somos muito menos racionais do que gostamos de acreditar.

“Não somos agentes racionais maximizando interesse próprio, somos apenas humanos falíveis impulsionados pela intuição, hábitos, pelas massas… facilmente confundidos e muitas vezes inconsistentes”

Dan Ariely

Este comportamento “irracional” ou intuitivo é operado pelo o que Daniel Kahneman chamou de Sistema 1. Segundo Kahneman no nosso cérebro operam simultaneamente o Sistema 1 (intuitivo) e o Sistema 2 (racional). O Sistema 1 é rápido, está permanentemente ligado, consome pouca energia e não requer esforço; ele é o grande responsável por sermos capazes de realizarmos a quantidade de escolhas que fazemos todos os dias.

Para isso ele se apoia em atalhos mentais (heurísticas), é influenciado pelo contexto e pelas emoções e por isto está sujeito a falhas induzidas por vieses cognitivos.

Os vieses cognitivos são desvios sistemáticos de lógica que tem sua origem em fatores diversos como: falhas no processamento de informações, a capacidade limitada de processar informação do nosso cérebro, motivações morais, as emoções e a influência social.

A boa notícia é que nossos comportamentos “irracionais” não são aleatórios tampouco sem sentido. São sistemáticos, repetitivos e, portanto, previsíveis.

O que a economia comportamental propõe é, a partir da compreensão dos vieses a que estamos sujeitos, a elaboração de “Nudges” que são pequenas intervenções, geralmente sutis, de baixo custo e fácil implementação que funcionam como gatilhos que facilitam a adoção de comportamentos mais saudáveis e sustentáveis.

“Um nudge é qualquer aspecto da arquitetura de escolha que altera o comportamento das pessoas de maneira previsível sem proibir nenhuma opção nem alterar significativamente os incentivos econômicos delas”

Richard Thaler & C.Sunstein

A seguir 10 recomendações para driblar os vieses cognitivos, melhorar a experiência dos usuários e gerar maior engajamento

1. Nem sempre mais é melhor

Nosso cérebro é preguiçoso e fazer escolhas consome energia. Dependendo da escolha em questão às vezes a quantidade de opções funciona como um inibidor da mesma. Isto é especialmente verdade para categorias de baixo envolvimento emocional (ex. Gôndolas com muitas opções de geleia vendem menos que gôndolas com menos opções de geleia) ou complexas (investimentos, planos de previdência, seguro)

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Por isso reduzir as opções, ter “pacotes” ou “ofertas” pré-formatados e apresentá-las de uma forma que seja mais fácil para o usuário saber qual a mais adequada à sua necessidade, possibilidade ou mood pode ser muito interessante.

O Duolingo, por exemplo, apresenta suas opções de plano de acordo com o objetivo do usuário e o tempo que ele tem disponível para o estudo. Já o Share eat tem classificações dos estabelecimentos por outros drivers de escolha de restaurante que não o tradicional tipo de comida/cozinha.

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2. Simplificar, simplificar, simplificar

Somos preguiçosos e estamos cada vez mais mimados. Queremos tudo à mão, fácil, rápido, intuitivo… qualquer barreira por menor que seja pode fazer com que posterguemos ou mesmo nos abstenhamos de fazer a escolha…

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Aqui a ordem é eliminar as barreiras: on bording longos e processos de pagamento e check out com várias etapas devem evitados a todo custo. O “one click check out” é um ótimo exemplo de eliminação de barreiras e fricções no processo. O pagamento in app para os carros de e-hailing elimina a experiência ruim de o motorista não ter troco, a maquinhinha não funcionar além de amenizar o sentimento negativo associado a pagar (viés conhecido como pain of paying)

3. Não subestime o poder do efeito manada

A adoção de ideias, comportamentos e crenças acelera quanto mais pessoas já a tiverem adotado.

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Se você tem grande números, comunique-os! Donwloads, usuários, apoiadores, clientes… quanto mais, maior a sua credibilidade e maior a chance de influenciar uma decisão afinal sofremos do FOMO e queremos nos sentir parte.

Não hesite em normalizar o comportamento mais frequente como, por exemplo, indicando quais das opções de plano/pacote é a mais escolhida por outros usuários, quais as músicas mais ouvidas, os vídeos mais vistos, os vinhos mais bem avaliados… A referência do que outras pessoas estão escolhendo nos ajuda a escolher.

Um app de self improvement pode, por exemplo, criar comunidades de corredores onde todos vem como os membros estão aderindo a seu plano de treinamento. Ninguém vai querer ficar mal colocado, já que somos competitivos por natureza e o simples fato de saber que outras pessoas como nós estão conseguindo cumprir seus planos nos estimula a esforçar-se para cumprir o nosso.

4. Ajude o usuário a implementar suas boas intenções

Geralmente nossas intenções são as melhores possíveis: se alimentar de forma saudável, se exercitar, ler mais… o difícil é implementar estas intenções no dia a dia cheio de tentações, fadiga mental e física e distrações.

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Apenas o fato e montar um plano, por mais simples que seja, como por exemplo incluir algo na agenda, dobra as chances da pessoa se ater a seus objetivos.

Sabe-se que as pessoas que se pesam diariamente conseguem ter maior controle sobre seu peso, um app de dieta e nutrição deveria fazer com a que o usuário planeje em que momento do dia fará isto e enviar um lembrete para ele se pesar. Com isso o usuário será mais bem-sucedido em sua intenção de perda de tempo e a satisfação com o serviço oferecido pelo app maior.

É também curioso como somos mais racionais e responsáveis em intenções e compromissos que assumimos com outras pessoas do que aqueles que são pessoais. Por isso, se você quer voltar a correr ou frequentar a academia combine com um amigo de fazerem juntos. Você se sentirá muito mais culpado de furar com ele do que com você mesmo e, portanto, a sua chance de realmente ir é maior!

5. Use o “gostinho da posse” como anzol para fisgar seu usuário / entregue valor antecipadamente para capturar depois

Temos a tendência a nos apegar às coisas que percebemos como nossa e consequentemente sobrevalorizamos as mesmas.

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Os free trials exploram exatamente isso: oferecem a chance do usuário não apenas experimentar, mas se acostumar com o uso do serviço para depois cobrar. Uma vez cientes e acostumados a ter o benefício maior a chance do usuário comprar o mesmo e maior o valor percebido no mesmo (maior disposição a pagar mais).

Além disso, nós tendemos a dar maior valor a nosso tempo do que ao das outras pessoas: ficamos irritados quando alguém atrasa para um compromisso conosco afinal temos uma agenda cheia de compromissos e possibilidades mas quando somos nós que atrasamos não nos sentimos tão culpados assim. Faça com que o usuário dedique parte do seu tempo ou esforço antecipadamente.

O Cíngulo faz as duas coisas bem: ao fazer com que seu usuário preencha um questionário simples para o diagnóstico de seu mental fitness e entregar este diagnóstico gratuitamente ele dispara uma série de gatilhos: entrega valor antecipadamente, cria a necessidade de melhora (principalmente quando o diagnóstico não é dos melhores) e ainda cria a sensação de envolvimento com a plataforma, “Já preenchi o questionário e li o report… vou investir também em seguir as recomendações ou programa sugerido de melhoria”

 

6. Use métricas para mudar comportamentos

Com certeza todos já ouvimos sobre o poder das métricas. Qualquer coisa que você medir e der visibilidade impelirá uma pessoa a otimizar sua pontuação nesta métrica. Isso ocorre porque os seres humanos ajustam seu comportamento com base nas métricas contra as quais são avaliados, julgados ou simplesmente referenciados. Pense nos likes das redes sociais, nos contadores de passos do seu iphone…

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Como já diria o Peter Drucker, “You can’t improve what you don’t measure”. Por isso utilize-se de métricas para mudar comportamento. O Smoke free app evidencia para as pessoas o progresso delas em relação à meta de parar de fumar e o faz de maneira muito inteligente, não apenas mostrando quanto tempo ela está de fumar mas também o quanto ela economizou e as melhoras de saúde obtidas.

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7. Quebre o objetivo final em objetivos alcançáveis

É comum nas maratonas vermos atletas e esportistas de final de semana desgastados tirarem forças do nada para os metros finais, técnica? Talvez em parte, mas as pessoas se esforçam mais para alcançar uma meta à medida que ela se aproxima.

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Quer ler mais? O que parece mais factível: 12 livros por ano ou 1 livro por mês? 1 livro por mês ou 25 páginas por dia?

Este viés tem implicações bastante prática nas estruturas de incentivo:

  1. recompensas distantes são muito menos motivadoras do que as de curto prazo, portanto proponha recompensas menores e mais frequentes para engajar;

  2. metas móveis e evolutivas nos fazem avançar mais do que uma grande metas no futuro pois além de atuar sobre nossa motivação (“4 km eu até consigo correr mas 21km nem pensar !” ) além de permitir provar repetidamente para nós mesmos que somos capazes de alcança-las (Plano de treino semana 1: 4km, semana 2: 6 km, semana 3: 8km, semana 4: 12 km…)

Estas dicas são especialmente relevantes para apps em categorias onde os benefícios estão no longo prazo como aprendizado de línguas, dietas, fitness

8. A lógica dos jogos a serviço da mudança de comportamento

A estrutura dos jogos que se apoia competição, recompensa e diversão explora instintos humanos básicos e torna certas atividades cotidianas mais atrativas.

Use o design e a mecânica de jogos para enriquecer contextos diversos e não relacionados ao jogo com o objetivo de instruir e influenciar o comportamento.

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De aplicativos de relacionamento como o Happn com o Crush Time ao Waze que coleta informações preciosas de usuários como acidentes, obstruções nas vias e preço de combustíveis em troca de pontos, features e status para seus usuários esta talvez seja das mecânicas mais exploradas no mundo dos apps. Não a subestime.

9. Use a aversão à perda para evitar churn

De maneira geral as pessoas são mais propensas a tomar uma atitude para evitar uma possível perda do que para incorrer em um possível ganho. Isto porque perder R$100 reais tem um sentimento negativo associado muito maior (dor) do que o sentimento positivo (alegria) de ganhar R$100.

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Os vieses do “Loss Aversion” e “Sunk cost fallacy” estão intimamente relacionados e podem ajudar na retenção dos usuários quando evidenciamos o quanto os mesmos já investiram em termos de tempo, $$ ou mesmo energia em uma determinada atividade.

Apps de ensino de língua, por exemplo, podem mostrar aos usuários a quantidade de palavras (vocabulário) adquiridos, o tempo já investido, o progresso feito até o momento e com isso motivar o usuário a não abandonar o programa.

O Gympact é um app que usa o princípio de aversão à perda para fazer com que os usuários cumpram seu próprio plano de treinamento físico. Os usuários entram com seu cartão de crédito e seu plano de treinamento físico semanal. Além disso, autorizam o débito de XX USD por sessão de treinamento perdida. O dinheiro arrecadado daqueles que furam o plano de treinamento é então usado para premiar os que tem maior assiduidade.

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10. Teste sempre e não subestime o Sistema 1, ele aprende

O que todos os economistas comportamentais propõem é que qualquer intervenção deve ser testada antes de ser implementada em grande escala. Conhecer os vieses nos ajuda a formular hipóteses e gerar ideias de intervenções mas não é uma ciência exata e às vezes pode surtir o efeito oposto ao desejado.

É importante, também, lembrar que tanto nosso Sistema 1 evolui, quanto as heurísticas e o contexto no qual nossas escolhas são feitas são dinâmicos e não estáticos. A exposição repetitiva a alguma tática ao longo do tempo pode educar nosso Sistema 1 e passar a não mais surtir efeito.

Se sempre que entrarmos em um site de reserva de passagem ou hospedagem restam apenas 3-4 da opção que nos interessou com o tempo perceberemos que isso não passa de uma tática para gerar senso de urgência e acelerar nossa decisão e este “nudge” passará não apenas a deixar de ter efeito mas também pode contribuir para uma percepção negativa da marca em questão.

LIGIA GONÇALVES